O Meu Primeiro Baculejo.

Quando nasci, nos idos de 1.990, ninguém imaginaria que aquela criatura cabeçuda, de olhos puxados e pingulinho minúsculo, poderia, no futuro, representar algum perigo às pessoas. Com muito esforço, no entanto, após o crescimento cientificamente inexplicável de algumas partes do meu corpo (estou falando da minha barriga, crianças), mostrei, na calada da noite, o meu potencial lescivo, dando a pessoas desiludidas de todo o país motivos para sorrir, cantar e acreditar num futuro melhor.

Apesar disso, em outros aspectos da vida, continuei a ser considerado um merdinha, cuja única conduta reprovável, realmente capaz de assustar alguém, foi ter conseguido a façanha de quase me matar com uma lambreta (?). Sim, porque, na escala da maldade, uma cabrita perneta provavelmente ofereceria mais perigo do que eu. Não que eu fosse o ser mais puro do mundo, destituído de qualquer maldade ou malícia, mas o fato é que, em termos criminais, nunca fui considerado uma ameaça.

Não à toa, sempre passei despercebido por fechas policiais e coisas do gênero. Não sei dizer ao certo o motivo disso, mas, agora, pensando bem, desconfio que só havia uma, dentre três possibilidades: a) eu era rico e influente; b) eu tinha cara de nerd, virgem e um corpo tão musculoso quanto o de um frango em crise aguda de diarréia, ou; c) eu era o Chuck Norris. Bom, isso é algo que nunca saberei. Mas, de todo modo, o importante é que eu estava acima de qualquer suspeita e, não por menos, quando vi aquele monte de viaturas policiais me cercando naquela fatídica noite, minha voz embargou — me senti emocionado, reconfortado e um pouco mais homem. Me senti, enfim, livre.

Finalmente, após enfrentar com uma coragem épica aquela situação dramática e perigosa, eu poderia gritar para todo mundo ouvir que a lenda ainda estava viva! Que havia esperança, havia potência e havia amor! Eu poderia, enfim, sentir o ar da vida preenchendo meus pulmões novamente. Mas a vida, a vida é uma put@ falta de sacanagem. E, ao invés disso, o que senti foi uma sensação desconhecida, que, de forma repentina, percorreu todo o meu corpo...

Encostado ao muro, com as mãos para cima e pernas abertas, senti um policial apalpar áreas nunca antes exploradas. Meu eusébio continuava intacto, mas, naquele momento, me senti violado. Era, afinal de contas, meu primeiro contato com a opressão estatal. Desorientado, vi policiais gritando, esfihas voando, luzes piscando e, em câmera lenta, cenas de telejornais e noticiários de Uberlandia invadiram minha cabeça. O cagaço, então, se instalou novamente. E assim, ao sentir a mão do policial próxima ao bolso da minha calça, fiz aquela que pode ser considerada umas das maiores burrices da minha vida. Olhei para o policial e disse: — aí só tem dinheiro, senhor. A resposta foi carinhosa e instantânea: um tapa na fuça, acompanhado de “está achando que alguém aqui quer o seu dinheiro, seu moleque?”.

Imediatamente, senti algo em mim esquentar — e não era apenas a minha orelha. Era a revolta. A raiva. Afinal de contas, como cidadão brasileiro, eu tenho direitos constitucionalmente garantidos e aquilo não poderia ficar impune, não poderia ser em vão. Eu deveria lutar. Ser a esperança dos mais fracos. A voz dos oprimidos. O rosto desse povo sofrido. E todos se lembrariam da minha guerra. Da minha história.

Pensei, então, em mandar o policial bater mais forte, porque, afinal, “aqui é Corinthians, mano!”. Mas me contive e, bravamente, como um símbolo da resistência, respondi, :

– Desculpe, senhor! Não foi minha intenção. Desculpe! Eu não quis dizer isso.

Desconsertado, o agente opressor, em sinal de respeito e temor, olhou para o meu rosto de Jaspion anêmico e recuou. E, assim, aquela noite virou história. A história virou lenda. E hoje, em butecos e vilarejos distantes, sou conhecido como “aquele que apanhou da polícia”. É, me tornei um mártir, bebê.